sábado, 2 de setembro de 2023

Se Deus é bom, por que existe o mal?

 Diante da grandeza de Deus e da diversidade de pensamentos que existem para tentar explicá-lo, é plausível dizer que a verdade é revelada pelo próprio Deus, o Espírito Santo, que se manifesta onde quer (Jo 3,8 “O vento sopra onde quer...”).

Crer em algo por causa da autoridade de Deus é diferente de acreditar por ter as condições de certeza daquilo. A fé não acontece naturalmente sem motivo e, precisamente, esse motivo é racional, caso contrário seria fideísmo. Para Santo Agostinho, a razão natural é concedida por Deus aos homens para que conheçam a verdade. Outro meio mais elevado é a Revelação, que se conhece a verdade pela fé, meio que alcança o que a racionalidade unicamente não dá conta, ascendendo assim a premissa de que fé e razão caminham juntas. Santo Agostinho conclui que é necessário “crer para compreender, compreender para crer”, haja vista que, em sua experiência pessoal, o fato dele crer o fez ver mais verdades e com muito mais clareza, as quais ele não enxergava antes – uma conversão muito mais intelectual do que moral.

As Sagradas Escrituras nos ensinam (Hb 11,1) “que a fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê”. Nos ensinam também que (Hb 11,3) “pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível”. Nas palavras de Santo Agostinho: “Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser. Ter fé é acreditar naquilo que você não vê; a recompensa por essa fé é ver aquilo em que você acredita”.

O cristianismo vem depois da filosofia, provocando uma continuidade mais do que uma escolha. Somente unindo fé e razão, filosofia e cristianismo, é possível fazer teologia. O reconhecimento do papel da razão filosófica tanto nos prepara para o ato de fé como no conhecimento das verdades reveladas. Portanto ciência e religião se complementam, e juntas podem trazer uma grande contribuição para construção do pensamento epistemológico.

O ser humano anseia por um sentido de vida, e não são poucos que anseiam por respostas. Uma pergunta frequentemente feita por religiosos ou não crentes é: se Deus é bom, por que existe o mal?

Santo Agostinho mostra que o problema ou a origem do mal não está em Deus que, segundo ele, é bom e justo, mas no homem com seu livre arbítrio e suas escolhas. É comum pensar que o livre arbítrio é um tipo de liberdade concedida para que se escolha entre o bem e o mal, mas no pensamento agostiniano o livre arbítrio não é concedido para que se escolha o mal, mas sim uma condição para escolher o bem. Aqueles que escolhem o mal, usam errado a liberdade recebida e serão mais infelizes. Aqueles que escolherem o bem, terão usado corretamente a liberdade recebida e serão felizes. Agostinho ainda explica que a função do livre arbítrio é garantir que nenhuma criatura racional seja obrigada a amar a Deus. Não existe amor sem liberdade e, por isso, se o livre arbítrio for mal utilizado, afasta-se do amor.

Encaro o ensinamento de Agostinho acerca do livre arbítrio como um dos mais oportunos, pois, no meu ponto de vista, esse é um dos temas de maior complexidade de entendimento, tendo em vista a quantidade de males que essa liberdade confere à humanidade e ao próprio Deus. Quantas blasfêmias e ofensas dirigidas ao Sagrado Coração de Jesus! Quantas mortes, mentiras, corrupção, estupros e injustiças dirigidas às pessoas de bem! Se a vontade de Deus é a nossa santificação (1 Ts 4,3), como é possível que tenhamos a capacidade de escolher a nossa condenação? Se Deus nos quer santos, por que ele permitiu que a concupiscência (Tg 1,15) fizesse parte da natureza humana? Como é possível que Deus permita o mal?

Considero a seguinte afirmativa de Santo Agostinho a mais reconfortante: “O Deus Todo-Poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir nas suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal”. Deus é o único que tem a visão do todo: o concreto e o abstrato; o mundo físico e o metafísico. E diante da limitação humana, quando falta argumentos para a razão, a fé fala mais alto, pois a fé nos dá a conhecer aquilo que os olhos não podem ver, e "é por isso que não desfalecemos. Ainda que exteriormente se desconjunte nosso homem exterior, nosso interior renova-se de dia para dia. A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, nos proporciona um peso eterno de glória incomensurável." (2 Cor 4, 17-18).

Não é uma filosofia de fácil aceitação para quem não tem uma fé madura. Mesmo diante da realidade de que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16), acreditar no amor de Deus é sempre um ato de fé. E cientes de que no âmbito espiritual o inimigo estará sempre aplicando suas investidas para nos afastar da verdade, pois o demônio é o pai da mentira (Jo 8,44); cientes de que o objetivo do maligno é o de nos separar do amor de Cristo e que vivamos no pecado, é importante recordar o que a primeira carta de São Pedro, capítulo 5, versículos 8 e 9, nos recomenda: “Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar, Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que os vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós.” (1 Pedro 5, 8-9). 

Uma fé madura se constrói com uma vida de oração ativa; construindo dia após dia uma maior intimidade com Deus. Santo Agostinho também nos alerta quanto a nossa necessidade de não estagnarmos em nossa vida de oração: “na caminhada para Deus quem não avança, sempre retrocede arrastado pela correnteza de nossa natureza corrompida”. Portanto sigamos perseverantes, com a unção do Espírito Santo.